sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O GATO (Ema Bessar Viana)

Indiferente

O gato
Melisma o silêncio
Reticencia o tempo
Agudiza o abismo
No mover-se

Indiferente

Seu olhar
Ri sinistro
Do estarmos
Entupidos de nada
E bastante comovidos

Indiferente

Seu dorso
Eriçado
Esfingia-se
Dócil e agressivo
Mas ainda

Indiferente

Seu rabo
Perscrutante
Conecta
Suprarrealidades
De borboleta e colibri

Indiferente

-

terça-feira, 9 de novembro de 2010

(IN)DEFINIÇÃO (Ema Bessar Viana)

Para Garcia
Constróis pontes de luz para as ilhas
Que há muito te descobriste ser.
Plurimorficamente te encruzilhas
Em vias de dever e de querer.

Em cada novo ponto da estrada,
Apresenta-se audaciosa ante ti
Outra sempre tenaz encruzilhada,
A que tua resposta é só: "resisti(r)".

Daí serem diversos os garcias.
No mínimo um que cotidiano age
Vivendo a vida a que o outro reage.

Adivinhar qual no correr dos dias
É aquele com o qual se interage...
Ah! Isto é grande e sacana sacanage.


terça-feira, 24 de agosto de 2010

CABO VERDE BRASIL (Ema Bessar Viana)

Sólidas pontes imateriais
Ergueram-se por sobre o oceano
Ligando dois povos que, de ano em ano,
Vão se tornando menos desiguais.

Uma mesma disposição os anima:
A de abolir relações verticais,
A de que entre homem e homem nunca mais
Viceje qualquer formação que oprima.

Do elevado propósito que os guia
Reúne-os igualmente a Fortaleza:
Ter em mira realizar algum dia,

Irmanado na língua portuguesa,
O quinto império de um povo-alegria
Que viva em plenitude a morabeza.

-

terça-feira, 15 de junho de 2010

PRESENÇA (Ema Bessar Viana)

É do perfume que exalas
Quando de vista te perco
Que tua presença se faz.

No esboçar-te a imagem
Âncora-perfume te ergo
Para os meus olhos de cais.

É quando toda em olores
Em vivo e vivo em cores
Tua presença fugaz.


TARDE AZUL (Ema Bessar Viana)

vem, tarde azul,
desmesura
do outrora menino
vadio e sem ninho,
não te recuses a pousar

vem, tarde azul,
o adulto te quer
de novo
viver
e em ti
re
pousar


ESTALIDO NA NOITE (Ema Bessar Viana)

A Mirko Élvis
Meu primo morreu. 
Imagino com que espanto 
Ficou traspassado pela bala do revólver 
De olho vidrado no evento.
Filho e mulher ficaram sem 
Com o tiro do revólver. 
Sabe lá em que transe, 
Com que imagens animado 
O revólver na aventura? 
Adrenalina no metal. 
Foi-se meu primo sem 
Com o tiro do revólver.

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NA TAL TERRA (Ema Bessar Viana)

Na
tal terra
da boa vontade,
é sempre encontro
de diferenças, sem medo,
sem ortodoxias, sem pretensões
de qualquer altura.
Na tal terra da esperança,
é permitido viver pela graça do simples viver,
com o viver do outro.
Na tal terra da comunhão,
homem não julga homem,
ama assim pelo só exercício de amar.
Na tal terra da harmonia,
tudo é música a concertar almas reféns da nostalgia da perfeição.
Na tal terra da bem-aventurança,
 grassa plena a fraternidade universal.
Na tal terra da consagração,
o agora instante de suave e doce congraçamento
q
u
e
r
-
s
e
eternizado.


-

sábado, 10 de abril de 2010

ADOÇÃO (Ema Bessar Viana)

Para Mônica, Daniel e William

Testemunho dou de feliz encontro
Entre dois meninos e uma mulher
Que a cumprirem o que o destino quer
Convergiram rotas a um mesmo ponto.

Os três viviam o momento certo
De unirem-se em rara laqueadura.
Negaram então o espaço que enclausura
E fundiram-se por ser pouco o perto.

Não queriam um do outro só estar ao lado
Pois que cada um andava descontente
E um do outro sabiam-se dependente.

Um querer estar juntamalgamado
Fez ver que seria enfim acertado
Darem-se uns aos outros por presente.
-

domingo, 28 de março de 2010

OFÍCIO (Ema Bessar Viana)

Para Crisca

parece quando falas
que vens de terras longínquas
tens uma certa linguagem
entrecruzar de línguas

falas do que falas
como quem cala
segredos
de faca
de ponta
responsável bisturi
de corte preciso
conciso

tua palavra somato-resvala
arde na epiderme
rasga carne
quebra ossos
tua palavra não cala
traspassa

de tantas línguas que dizes
por estrangeira a tua fala
tua palavra
trapaça

aprendiz das línguas que falas
mais que aprendiz
me deixo fazer nas palavras
que lavras

como falas
o que falas
agora
o falo

MERATRIZ



PERFEIÇÃO (Ema Bessar Viana)

no dentro e no fora de si mesmo
o ovo impressiona
no que tem de acabado
o ovo não tem pontas
no ser ovo ovalado
carne e osso
calcificados
o ovo
é
nada mais que
ovo
mais que nada
ovo
até no seu escrito


sábado, 27 de fevereiro de 2010

A PALAVRA REDIVIVA (Ema Bessar Viana)


Quando zumbem e silvam e ciciam
Na substância amorfa dos ruídos,
As palavras-som sulcam seus sentidos
Em sentidos outros que sentenciam.

Do curso melódico e circular
As palavras-som à cadeia assomam
Como forma de sonidos que a domam
Quando o fluxo-tempo se faz cortar.

Mas se a extensão da folha de papel
Torna-se o novo campo de batalha
E delas o sônico efeito falha,

Eis que sem verterem-se em ouropel
E dando provas de desembaraço
As palavras-som exploram o espaço.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

ANATOMIA DO MONÓLOGO (José Paulo Paes)

ser ou não ser ?
er ou não er ?
r ou não r ?
ou não ?
onã?