segunda-feira, 20 de julho de 2009

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A arte, de um modo geral, é equilíbrio de excessos e insuficiências. O artista do "mais" opera recessivamente com o "menos", ao passo que o do "menos" presta contas ao "mais". E ambos buscam o efeito sensível da modulação destes contrários. O grande artista cria equilíbrios instáveis que tensionam excessos e insuficiências de toda ordem e produzem "buracos no não" gerando os possíveis impossíveis e os impossíveis possíveis. O grande artista fura o cerco e nos conduz sem dizer para onde nem responder por quê. O grande artista se funda a si mesmo por seu fazer, e este nos co(n)funda na fruição que em nós nos inaugura.

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sábado, 18 de julho de 2009

PAVLOVIANA (José Paulo Paes)

a comida

a sineta

a saliva

a sineta

a saliva

a saliva

a saliva

a saliva

a saliva


o mistério

o rito

a igreja

o rito

a igreja

a igreja

a igreja

a igreja

a igreja


a revolta

a doutrina

o partido

a doutrina

o partido

o partido

o partido

o partido

o partido


a emoção

a idéia

a palavra

a idéia

a palavra

a palavra

a palavra

a palavra

a palavra



Um impossível possível: em quatro segmentos, cada qual composto por três "estrofes" de três versos, com sintagmas nominais simples (artigo + nome substantivo), o autor fala dos automatismos (reflexos condicionados) nas dimensões física, espiritual, política e estética.


Guimarães Rosa (o pensador e o artista)

O poder de criar realidades pela linguagem e/ou o pressuposto de existência na lógica exemplarmente evidencidados num trecho do prefácio de Tutaméia.

Siga-se, para ver, o conhecidíssimo figurante, que anda pela rua, empurrando sua corrocinha de pão, quando alguém lhe grita: - "
Manuel, corre a Niterói, tua mulher está feito louca, tua casa está pegando fogo!..." Larga o herói a carrocinha, corre, voa, vai, toma a barca, atravessa a Baía quase... e exclama: "- Que diabo! eu não me chamo Manuel, não moro em Niterói, não sou casado e não tenho casa...".

segunda-feira, 13 de julho de 2009

TAMBOR (Ema Bessar Viana)

a média não anuncia
mas os tambores renunciam
aos excessos da alegria

o tambor já foi triste
pulsação
falar percussivo do coração

já foi banzo
cantou tristezas e alegrias
falou com deuses
festejou chorou esqueceu

o tambor quer
as antigas suas linguagens
quer sair
do popular tambor pra pular para parolar
noutras linguagens
do percussivo coração


CALEIDOSCÓPIO (Ema Bessar Viana)

fragmentei-me em gostares
meu coração dividido
caleidoscopizou-se ainda mais
meus pais têm um naco
outro anda em meu peito
pedaços nas mãos de amigos
amores outros detêm
grande parte porém
putrefaz-se morta nas ruas


LUA E CHÃO (Ema Bessar Viana)

Para os coiotes
olhos postos na lua
passeava sonhos fabulosos
viagens intergalácticas
suaves voos de pássaros
braços de bem-amada
a inteiro envolver-me
num acalanto sem par

súbito
os olhos me vão
da lua ao chão
o pé direito
tenho-o imerso
em ignorada substância
de amarelo aspecto

pisei no cocô
pisei no cocô
e não sei que fazer
água por perto não vejo
não vejo pano ou sabão
com que me possa limpar

pisei no cocô
enquanto sonhava
pisei no cocô
e estava descalço
pisei no cocô
e não sei que fazer

amiga me diga
amputo este pé
ou pisando na merda
aprendo a viver?


FARTA POESIA (Ema Bessar Viana)

farta poesia
no poema
brincadeiras de pensar
sinestesias
metaforizar
maresia
dói e corrói
o ferro
de todo dia
perartice do poema
farta poesia