domingo, 25 de outubro de 2009

BALADA DE UM ESQUISOFRÊNICO MEGALÔMANO (Ema Bessar Viana)


os astros me vendo passar
cochichavam
interjectivos

"é aquele
aquele lá
pretensão a dele
querer irradiar luz semelhante à nossa
coitado pobre coitado"

também as trevas me vendo passar
"obscuro
fogo-fátuo

sim 
mas
tão pretensioso
pensa o vazio e é tão cheio
não é dos nossos"

solucionar-me no intermédio
buscando sempre
equilibar-me entre

I M P O S S Í V E I S


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AMEAÇA (Ema Bessar Viana)

Não! Já não sei se mereço
Tanto tudo o que a ti peço
Mas aqui e agora confesso
Não me faças do vão sonho
Cessar o curso risonho
Que sou capaz e te esqueço

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FILHO (Ema Bessar Viana)

as palavras falam do inessencial.
não há porquê nem onde, quando ou como.
é no atemporal espaço horizontal dos abraços,
no sem-razão,
onde todo o nosso ser
objetualizável,
que sou você, meu filho,
carne estrangeira,
e habito o não-ser
que vai de mim para você.

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BEIJO (Ema Bessar Viana)

que doce beijo 
em ti eu vejo 
vejo tantas coisas em ti 
o maior ensejo 
de todo o meu desejo 
vir-se a cumprir 
até vejo em ti
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sábado, 24 de outubro de 2009

CONSCIÊNCIA (Ema Bessar Viana)


Saber queria de que modo se adensa
no dentro informe de toda gente
coisa assim concreta e tão presente
que é o pensamento que a si se pensa;

o pensamento que de si é o reflexo,
que reintegra do vivido a cadena,
e que incontinenti nos condena
ao fora de nós mesmos já sem nexo;

o pensamento que ordena a persona,
que estanca a existência fugidia
e faz a identidade vir à tona,

mas que ato contínuo nos exilia
em terreno ermo e nos abandona
ser sem Ser, tão-só devir... Eu queria.



sábado, 3 de outubro de 2009

PROCURA (Ema Bessar Viana)

Súbito toma-me desejo insano
De te ver. E a tua, minh'alma reclama.
Quer te ter aqui quem a ti tanto ama,
Quem contigo sonha há já um ano.

Se tanto amar, amor, não for humano,
A mim, destruir-me há de ardente chama.
Rogo-te: escuta e atende a voz que clama,
Retém-me c'os olhos o olhar cigano.

Meu sonho, deixa-o fluir lentamente,
Permita-me que siga a procurar-te,
Hoje e sempre, sim, incansavelmente,

Em todos os lugares, por toda parte.
E um dia quem sabe esta busca insistente
Finde e queira Deus que por encontrar-te.

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FILHA (Ema Bessar Viana)

Coriscaste no negrume de um céu,
Promessa de luz a romper o véu
Das noites fundas que a vida era
Naquela tarda baça primavera.

Crescendo teu brilho foi e por encanto
Tomou os espaços todos. Entretanto,
Havia negro um ponto resistente
A quem contra a barra dele tente.

Então sem muito empenho o presente
Daquele que era já um quase-incréu,
Foste entretecendo suavemente

E num hoje similar a um antecéu
Coabitamos sem o renitente
Negrume por força do teu cinzel.

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CÁRCERE (Ema Bessar Viana)

Crer no etéreo, em fadas, ninfas e gnomos,
Na dura mão do inexorável fado,
Que o caminho já nos deu... Certo ou errado?
Toda dúvida de que feito fomos.

Nos deuses todos do Olimpo onde pomos
O nosso sobe-e-desce projetado.
E mais: crer um dia ver saciado
O desejo de infinito que hoje somos.

Crer na nobre medieval missão
E nos cavaleiros do Grande Rei
Que viviam o Graal a procurar.

Ver-me preferia nesta ilusão
Enfim consciente de que escapei
Do exíguo cárcere de pensar.

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Caetano Veloso (Phono 73)




Um bom exemplo do que é texto sincrético, para cuja elaboração concorre um cojunto de linguagens que se imbricam de modo a criar um efeito de sentido geral, que dá unidade ao todo.

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